Polícia para quem precisa.

20130106-BrigaDMAEra uma sexta-feira quente, por volta das 22 horas, quando eu, meu irmão e mais três amigos decidimos ir a um barzinho beber uma cerveja bem gelada, comer um tira-gosto e jogar conversa fora.

Eu tinha cerca de 16 anos de idade, essa era a média de idade do grupo. Meu irmão tinha fama de brigão, por isso a minha orientação antes de sairmos de casa era que em hipótese alguma haveria briga naquele dia. Com o entendimento de todos, partimos para o bar.

Eu morava na Abolição, num condomínio chamado Park Side. Morávamos no décimo andar, mas para chegarmos até a portaria andávamos um bocado, tínhamos que atravessar uma quadra de futebol, mais um pequeno trecho até chegarmos à portaria, onde se revezavam os porteiros, em sua maioria nordestinos.

O condomínio ficava ao lado da Linha Amarela, que na época ainda estava em construção. O bar ficava do outro lado, por isso tínhamos que atravessar pela passarela ou pelo meio da pista, já que não passava carro, a não ser os moradores mais atrevidos que gostavam de bater um racha.

Nós cinco estávamos muito animados, conversávamos sobre tudo. Piadas eram contadas aos montes, e mesmo antes de terminadas as altas risadas contaminavam o ar silêncioso.

Alguns minutos depois chegamos ao bar. Não sei por qual motivo eu li o nome do bar. Maluco Beleza. Era um bar pequeno, minúsculo, cabiam cerca de quatro mesas dentro do bar e o restante dos clientes tinham que ficar na rua.

Como chegamos um pouco mais cedo que a maioria dos clientes costumam chegar, conseguimos ocupar a última mesa disponível dentro do bar. O dono do bar foi muito gentil, pois conseguiu que todos nós sentássemos confortavelmente.

Fiz o reconhecimento do local para saber quem estava ao meu redor. Tinha um senhor com mais de 60 anos sentado, sozinho, em uma mesa a nossa frente. Na mesa ao lado da dele estavam alguns homens bebendo e falando alto. Na mesa ao lado da nossa estavam quatro pessoas, dois casais. Um dos casais chamou-me a atenção, pois a mulher era muito linda e o homem era muito grande e feio, parecia um ogro.

Pedimos algumas cervejas enquanto escolhíamos o tira gosto. Estávamos indecisos se pediríamos batatas-frita, linguiça calabresa, salaminho, queijo minas ou frango a passarinho… eram muitas as opções.

No meio de toda a indecisão começamos a esvaziar os bolsos, colocando sobre a mesa objetos como celulares, isqueiros (todos nós fumávamos) e eu coloquei um pequeno espelho, pois usava lente de contato e como ela me incomodava muito, eu sempre ficava olhando para ver se ela estava no lugar certo.

Quando escolhemos a linguiça calabresa, eu aproveitei para dar uma outra conferida no ambiente e reparei que o ogro do nosso lado estava sacanando o coroa que estava a frente, as brincadeiras aos poucos começaram a se tornar ofensas e não demorou até o troglodita começar a se dirigir a nossa mesa para falar mal do ansião.

Mas (in)felizmente ele começou a falar diretamente com meu irmão, o brigão, que apesar de tudos os seus defeitos, que não são poucos, não admite que desrespeitem idosos.

O ogro dizia:
– Tá vendo aquele velho ali? Ele não tem uma cara de viado? Como pode um cara dessa idade estar no bar sozinho? Só pode estar querendo arrumar homem.

Meu irmão disse:

– Eu não tenho nada com isso, não fala comigo.

Mas o cara continou falando, durante longos minutos. Meu irmão ignorou. Ignorou. E mais uma vez ignorou. Até que o Shrek parou de perturbar.

Cerca de 10 minutos depois, quando todos nós já havíamos esquecido da história. O ogro se levanta, vem até a nossa mesa, põe o dedo na cara do meu irmão e diz o seguinte, antes de dar um tapa de mão aberta dentro de sua “cara”.

– Quando eu falar alguma coisa engraçada pra você, você tem que rir e não me ignorar.

Nesse momento, eu pensei alto: – FÚÚÚÚÚÚDEU!!!

O dono do bar veio gritando que não queria briga dentro do bar, se fossem pra brigar que brigassem na rua. A princesa Fiona, antes de virar ogra, disse para o seu marido, amante, namorado, cafetão, seja lá o que ele era dela, com aquela voz cantarolante, bem fina e enjoativa: – Amooooooor, não bate no menino, você vai machucar ele.

Meu irmão que media aproximadamente 1,65mt, mas era campeão de Box Tailandês, hoje popularmente conhecido como Muay Thai, levantou jogando as mesas para o alto e foi para o meio da rua esperar seu oponente. O grandalhão veio com tudo. Ele tentou socar o rosto do meu irmão, que esquivou no melhor estilo Muhammad Ali e lhe deu um gancho de direita. Enquanto a torre desmoronava, ainda levou mais dois diretos no cheirador. Meu irmão caiu em cima do touro bravo e desferiu quase uma dezena de golpes.

Foi nesse momento que a princesa virou ogra, ou melhor bruxa. Gritava para os amigos do grandalhão matarem meu irmão antes que ele matasse o marido dela. Nesse instante eu pegava os aparelhos celulares e os isqueiros que foram arremessados de cima da mesa, pois algo me dizia que nós teríamos que correr muito dali.

O público que estava ali para assistir a morte do meu irmão, ficou estremamente furioso quando em alguns segundos o seu favorito foi nocauteado na calçada do bairro em que foi criado. Todos, eu disse TODOS, os presentes queriam trucidar meu irmão e qualquer um que estivesse do lado dele, foi então que começou a correria.

Meu irmão quando percebeu que seria linchado, saiu de cima do brutamontes e correu desesperadamente rua acima, sentido contrário a nossa casa. Quase uma dezena de homens foram atrás dele e eu atrás dessa dezena. No trajeto alguns caíam, outros eu conseguia derrubar, até que os que sobraram desistiram, pois nós parecíamos nigerianos em dia de maratona. Quando eu cheguei perto do meu irmão e toquei seu ombro, ele virou preparado para me acertar um direto na cara, por sorte ele viu que era eu, então olhamos para onde a briga havia começado e vimos que eles pegaram o Rodrigo, um dos caras que estavam conosco.

O Rodrigo era o tipo de cara que foi criado dentro de casa, jogando bola de gude no carpete e soltando pipa no ventilador, talvez seja por isso que na hora que a “chapa esquentou” ele foi o único que não conseguiu fugir.

Rodrigo é branco, tinha cerca de 1,80mt, um cabelo estremamente liso, preto, que vinha ao centro das costas, o que lhe rendeu o apelido de Highlander.

Os homens do mal o pegaram pelo cabelo e arrastaram pela rua. Beteram com seu rosto contra uma porta de ferro de uma loja que estava fechada. Socaram. Chutaram. Até que seu primo, que também estava conosco, não aguentou a cena e foi socorrer o primo e amigo.

Alexandre, tinha cerca de 1,50mt, seu apelido era tamagotchi. Ele entrou no meio dos caras do mal para tentar salvar seu primo e foi esmurrado. Tentou novamente e tomou um direto no rosto, até que desistiu do resgate visivelmente impossível.

Alguns minutos depois, quando cansaram de bater no Rodrigo, o soltaram. Então foram os três para o condomínio onde morávamos. O terceiro amigo que não foi apresentado até o momento se chama Netinho. Ele trabalhava comigo e o levei para conhecer a Abolição e meus amigos de lá. Literalmente um programa para não esquecermos jamais.

Depois que o soltaram parece que se arrependeram, então se juntaram novamente, se armaram e foram atrás dos meus amigos. De cima da passarela da Linha Amarela eles conseguiram ver que os três entraram no condomínio, então partiram correndo pra lá com o intuito de bater mais ou até mesmo matá-los.

Quando chegaram na portaria, o porteiro – por não os conhecer – pediu que se identificassem. Resumindo, entrou na porrada.

Então os caras do mal entraram no condomínio e foram direto para o Playground que fica em frente ao salão de festas, onde acontecia uma festa de criança. Chegaram atirando na porta blindex do hall do prédio. Foi uma correria terrível. Meus amigos conseguiram subir e se trancaram no apartamento.

Eu e meu irmão estávamos chegando no prédio quando fomos abordados pelo porteiro, que aos prantos, chorando desesperado, nos disse:

– Homi, sai daqui, ele vão matar ôces, eles já bateram neu, tão cum trabuco enormi e desataram a dar tiro lá pra dentro.

Eu nem pensei duas vezes. Saí correndo com meu irão pelas ruas da Abolição, até que pensamos que poderíamos dar a volta por trás do condomínio e entrar por um lugar que ninguém nos veria, principalmente os atiradores desalmados. Era um corredor que ficava entre o muro do condomínio e o mura da Linha Amarela, ninguém ia para aqueles lados.

Mas para chegarmos neste lugar, deveríamos dar a volta no quarteirão, passando perto de onde hoje é o Ginásio do Engenhão.

Quando todo plano já estava definido e arquitetado, corremos para colocá-lo em prática. Foi quando, ao virarmos em uma rua deserta, demos de cara com váááááários carros de polícia. Pensei: – Graças a Deus, a polícia!!!

Fomos andando em direção aos policiais com a finalidade de contar o ocorrido e na esperança de que pudessem ir conosco até o condomínio onde o bonde desalmado estava aterrorizando.

Antes que eu pudesse abrir a boca, todas as armas foram apontadas para nós dois. Muitos gritos, ordens e perguntas foram feitas ao mesmo tempo. Eram coisas do tipo: Pára; Encosta; Mão na cabeça; Tá indo pra onde? Tá vindo de onde?

Antes que pudéssemos responder 10% das perguntas, os policiais separaram eu e meu irmão e começaram a nos ameaçar.

Enquadraram meu irmão e ficaram perguntando pra ele de que faleva ele era e por que estava descalço.

Meu irmão estava meio desorientado com tudo o que estava acontecendo e dava respostar desencontradas, como, por exemplo, no momento em que um policial apontou a arma para o pé dele e perguntou se ele queria levar um tiro no pé.

Meu irmão respondeu que sim, mas estava respondendo a uma pergunta que fora feita minutos antes. Então o policial perguntou se ele estava drogado, meu irmão dizia que não, que não usava drogras, que era estudante, se podia ligar para o pai, etc.

Num outro canto da rua acontecia o meu enquadro:

– Tá vindo de qual favela?
– Não senhor, estou vindo de um bar.
– Que bar rapá, com essa cara de ladrão? Tu tava roubando alguém!!
– Encosta aí.

Nesse momento ele começou a me revistar. Foi tirando celular, isqueiro e o espelho do meu bolso. O celular era um Startac, era do Alexandre. Eu vi quando o olho do policial brilhou ao tirar o aparelho do meu bolso.

Ele perguntou de quem eu tinha roubado. Eu disse que era do meu amigo, então ele ficou perguntando repetidamente qual era o número do telefone, enquanto eu tentava responder ele já havia colocado no bolso da farda.

Foi então que ele começou o interrogatório.

– Pra que tanto isqueiro? Pra queimar um fumo?
– Não senhor, os isqueiros são dos meus amigos, estávamos no bar e…
– Cala a boa puorraaaa!!!
– E esse espelho, é pra cheirar né? Fala puooorra!!!
– Não senhor, é porque eu uso len…
– Cala a porra da boca, teu funkeiro do caralho!!!
– Não senhor, eu não sou funkeiro não.
– Ah não? Então tu é o que?
– Eu sou pagodeiro.
– Pagodeiro? Tu canta em qual grupo?
– Não senhor, eu não canto não, eu só curto.
– Ah tu só curte? Conhece o grupo Molejo?
– Conheço sim senhor.
– Conhece a música da Vassoura?
– Conheço sim senhor.
– Então canta!!!

Nesse momento eu juro que não estava acreditando no que estava acontecendo e esbocei um leve sorriso, achei que ele estava de sacanagem!! Então o policial engatilhou a pistola, colocou na minha cara e disse:

– Tá rindo de que seu filho da puta? Canta logo essa porra!

E eu:

– Diga onde você vai, que eu vou varrendo!!! Diga onde você vai, que eu vou varrendo!!! Vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo!!!

Depois de tudo isso, pediram os nossos documentos. Nessa altura do campeonato eles já haviam percebido que nós não estávamos com nada mesmo, que éramos dois moleques querendo ir pra casa. Eu disse que trabalhava na Petrobras, que estava na faculdade, mostrei que era um cara trabalhador e honesto.

Expliquei tudo o que estava acontecendo e pedi para que eles nos levassem em casa, pois haviam vários homens armados no condomínio, agredindo as pessoas e dando tiros a esmo.

A resposta: – Tá me achando com cara de taxista?

Daí mandaram a gente ir embora antes que eles nos dessem uns tiros. Enquanto caminhávamos um dos policiais gritou, se referindo a mim: – Ow Neguinho, canta e dança se tu não quiser tevar uns tiros.
Todos os policiais miraram as armas em nossa direção. Foi quando eu comecei a cantar e a dançar a “dança da vassoura”.

Meu irmão sem entender o que estava acontecendo disse: – Porra, só você mesmo pra dançar com uma porrada de policial apontando a arma pra gente. Vai entender o que se passa nessa sua cabeça.

Essa é a nossa polícia. A instituição que deveria me proteger, me roubou e me expôs ao ridículo, além de me ameaçar de morte várias vezes.
E não aceito esse papo de bons policiais e maus policiais, porque o CNPJ não fala, não humilha e não rouba, quem faz são os CPFs que representam esse CNPJ, então se um tá errado, esttá tudo errado, quem tem que prestar contas é a corporação toda e eles é que  dêem um jeito nos bandidos que eles dizem que treinam e que colocam nas ruas para nos humilhar.

Chegamos no condomínio pela parte de trás, os caras do mal já haviam ido embora. O síndico veio nos atender chorando. Toda a culpa caiu sobre nós. A partir deste dia colocaram um portão elétrico no condomínio, câmeras e todos eram obrigados a se identificar.

Para terminar a história, nossa família foi convidada a se mudar. Hoje, dezessete anos depois, meu irmão e meu amigo Netinho são policiais militares. Quem entende?

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